Etarismo está relacionado com o aumento da longevidade, e é um fenômeno no mundo todo. A longevidade da população, é uma conquista coletiva, que mostra o quanto avançamos enquanto humanidade. Pensar que há apenas 50 anos atrás, a expectativa de vida no Brasil era de 57 anos e hoje subiu para 76 anos, nos força a olhar para esse tema. Esse aumento progressivo de idosos na sociedade, traz a tona a necessidade de adaptação do mundo, para conviver e receber pessoas maduras em todos os espaços.
De acordo com o descrito no Relatório Mundial da OMS sobre Idadismo, uma adaptação do inglês ageism, o etarismo consiste em um conjunto de práticas baseadas em estereótipos ou em ideias depreciativas que se expressam em atitudes discriminatórias e preconceituosas contra indivíduos ou grupos com base em sua idade ou faixa etária. É uma forma de discriminação, que parte da ideia de que uma idade avançada é algo negativo ou inferior, levando a tratamentos injustos e à exclusão social.
Porém ao falar sobre etarismo, devemos ampliar o nosso olhar para aprofundar sobre o tema. Pois as percepções de quem sofre esse preconceito, são diferentes. Não se trata de um mero enfrentamento estético ou sobre discussões sobre as relações afetivas com diferenças de idade. Trata-se de um tema que revela os altos índices de violência contra o idoso, e que se intensifica de acordo com a raça, posição social e gênero.
As estruturas do etarismo
Em níveis estruturais, o etarismo se reflete em políticas, práticas e normas sociais que limitam ou negam oportunidades e direitos às pessoas idosas. Os idosos vivenciam o preconceito de formas distintas, conforme suas origens e condições sociais. Portanto esse preconceito não é homogêneo; ele se intensifica quando combinado com outros fatores, como raça, gênero e classe social. Um idoso negro, por exemplo, enfrenta barreiras duplas. Além de ser visto como “inútil” por sua idade, carrega o peso do racismo estrutural, que o marginalizou ao longo de sua vida. A velhice, para ele, não é apenas um desafio biológico, mas também uma luta contínua contra o apagamento social e a exclusão, agravada por estereótipos raciais.
Quando se trata de uma idosa, o cenário torna-se ainda mais complexo. Mulheres já sofrem pressão desde cedo para se adequarem a padrões de beleza e juventude. Ao envelhecerem, enfrentam o machismo que as torna invisíveis aos olhos da sociedade, como se perdessem valor com o passar dos anos. A mulher idosa lida com o desprezo silencioso, especialmente em contextos onde o envelhecimento é visto como o fim de sua relevância social e profissional.
Se, além disso, esse idoso ou idosa é pobre, a situação se agrava ainda mais. A falta de recursos financeiros amplia a vulnerabilidade, forçando-os a trabalhar em condições muitas vezes desumanas. Ali o etarismo se manifesta na forma de exploração e desprezo, por meio de comentários depreciativos, ridicularização, marginalização ou tratamento desrespeitoso.
A mulher, o etarismo e a gerontofobia
Gerontofobia é o medo ou aversão que as pessoas desenvolvem em relação ao processo de envelhecimento, tanto no próprio corpo quanto nos outros. Esse medo não se limita apenas às mudanças físicas, como rugas ou limitações motoras, mas também ao estigma social que envolve o envelhecer. A sociedade associa a velhice, à perda de valor e produtividade, principalmente das mulheres, que são pressionadas desde cedo a se adequar aos padrões de juventude e beleza. Para as mulheres, o envelhecimento é especialmente cruel, pois a sociedade está condicionada a acreditar que sua relevância está atrelada à aparência física. Com isso, a gerontofobia se intensifica, gerando medo não apenas das transformações corporais, mas também da invisibilidade social que muitas mulheres experimentam.
Embora essas padrões estejam sendo confrontados, a questão do etarismo para as mulheres, é mais complexa do que se imagina. Para muitas exibir com orgulho as marcas da idade passou a ser visto como ato de empoderamento feminino. No entanto, essa valorização não é sentida da mesma forma por todas. Para mulheres brancas, que historicamente sempre foram o padrão único de beleza, o envelhecimento pode ser romantizado de uma maneira que não se aplica às mulheres negras, que seguem sendo marginalizadas.
A representação de mulheres mais velhas em capas de revistas, pode parecer uma celebração da diversidade, mas venho me questionando se não é apenas a introdução de um novo padrão a ser seguido: o da velhice sensual, com uma beleza que, novamente, segue padrões inatingíveis para a maioria. A indústria da moda se aproveita das tendências e dos debates em voga, e adapta para uma melhor comercialização dos produtos. Vivemos isso com as modelos plus size. Quando o debate sobre normalização dos corpos ficou em evidência, a indústria tratou de criar um novo padrão de beleza dentro desse nicho.
Etarismo e o mercado de trabalho.
A exclusão do idoso no mercado de trabalho, é intensificada pela pressão dos padrões sociais, que exaltam a produtividade e o dinamismo da juventude.
Paira num discurso de uma suposta perda funcional, desatualização e desconexão com as tecnologias. Uma falácia fundamentada única e exclusivamente no preconceito. Os profissionais sêniors, além de se atualizarem, e estarem amplamente conectados, possuem uma maior capacidade de análise aliada a maturidade na tomada de decisões, fruto de anos de experiência.
Todavia, essa é a visão de um profissional que, ao longo da vida, conseguiu se posicionar bem no mercado e, agora, ainda tem muito a oferecer intelectualmente às corporações. Ele escolhe continuar trabalhando por opção, seja para se manter ativo ou por paixão pelo que faz.
Por outro lado, existe uma face bem menos favorecida: a dos idosos que estão inseridos no mercado de trabalho por meio de subempregos. Esses, muitas vezes, não tiveram as mesmas oportunidades e, por conta disso, se encontram em situações precárias. A vida foi mais dura com eles, seja pelas condições econômicas, pela falta de estabilidade no trabalho ou até mesmo pela ausência de uma rede de apoio adequada. Provavelmente, contando com uma aposentadoria de apenas um salário mínimo, se veem forçados a continuar trabalhando, não por escolha, mas por pura necessidade.
As consequências na sociedade
O etarismo contribui para a segregação grupos que já são fragilizados pelas estruturas sociais. É prejudicial não apenas para as pessoas idosas, mas também para a sociedade como um todo, já que a natalidade só cai, enquanto a longevidade só aumenta. Ele perpetua estereótipos negativos, impede a participação ativa e produtiva das pessoas mais velhas e contribui para a exclusão social e o isolamento.
Afeta também no cotidiano, na qualidade de vida do idoso, e na forma que a sociedade os vê. Já percebeu que os governantes não investem em acessibilidade nos locais de lazer públicos? Sendo negado a eles os momentos de prazer? Será que tem a ver com o fato do idoso ter seu voto facultado?
Perceba o quanto isso os coloca numa posição de inferioridade em relação a população votante, criando restrições de toda ordem.
Consequências psicológicas e emocionais
Quando o idoso tem seu acesso negado, seja ao mercado de trabalho, a espaços públicos ou a oportunidades sociais, ele começa a sentir-se invisível e, muitas vezes, inútil. O etarismo, além de ser uma forma cruel de preconceito, retira dessas pessoas o direito de se sentirem valorizadas, capazes e ainda parte ativa da sociedade. Essa exclusão não afeta apenas o indivíduo; ela priva o mundo de contribuições valiosas que pessoas idosas podem oferecer, sejam elas no campo do trabalho, da educação, da cultura ou mesmo em conselhos e experiências de vida.
O etarismo tem efeitos devastadores na saúde mental dos idosos. Ao serem constantemente ignorados ou desprezados, muitos se isolam, criando um círculo vicioso de solidão e abandono. Esse isolamento pode evoluir para casos graves de depressão, afetando profundamente o bem-estar emocional e psicológico. A sensação de não pertencer a lugar nenhum, de não ter mais utilidade ou propósito, desgasta a autoestima e a vontade de continuar participando da vida de maneira ativa.
Além disso, se manifesta também na negação de acesso a espaços públicos. Muitos idosos enfrentam dificuldades para se locomover, seja pela falta de transporte adequado, pela falta de acessibilidade em parques, praças e centros de convivência, ou pela simples falta de acolhimento nesses espaços. Esse tipo de exclusão, os impede de socializar, praticar atividades físicas ou mesmo buscar apoio em serviços de saúde.
É crime
O etarismo é considerado crime e pode ser enquadrado como injúria quando alguém tem sua honra ou dignidade prejudicada em razão da idade. O Estatuto do Idoso prevê o delito de discriminação contra pessoas idosas, com penas que variam de 6 meses a 1 ano de reclusão, além de multa. Criminalizar esse tipo de comportamento é uma medida importante para coibir o preconceito e assegurar os direitos dos idosos, promovendo um ambiente mais respeitoso e inclusivo. Ao tornar o etarismo passível de punição, a lei atua como um freio contra atitudes discriminatórias, incentivando uma maior conscientização social.
Todo tipo de discriminação é cruel, e falarmos sobre o assunto, ampliando o debate em todas as feras, faz-se necessário, para avançarmos enquanto sociedade. Levar os jovens a participar de discussões para a conscientização a respeito dos direitos das pessoas idosas, valorizando sua experiência e sabedoria. O envelhecimento faz parte do ciclo natural da vida e deve ser tratado com dignidade, não com preconceito. É crucial que a sociedade mude sua mentalidade, monitorando o valor contínuo dos idosos em todas as esferas. Só assim poderemos construir uma cultura inclusiva, onde a idade não seja um fator de exclusão, mas de respeito e admiração.
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