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Saiba tudo sobre a PEC do fim da jornada 6×1

A escala 6×1 é uma das jornadas mais comuns no Brasil, especialmente em setores como comércio, indústria e serviços. Recentemente, um movimento ganhou força nas redes sociais em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), proposta pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP). A proposta que vem ganhando grande repercussão, busca reduzir a carga horária semanal e extinguir o modelo atual 6×1.

Tudo começou em 2023, quando Ricardo Azevedo, ex-balconista de farmácia, viralizou com um vídeo no Tik tok, onde relatava sua frustração ao receber uma ligação da supervisora em seu dia de folga. A supervisora solicitou que ele chegasse mais cedo no dia seguinte, que além do incômodo no dia da sua folga, ainda lhe gerou ansiedade. A repercussão foi tamanha que Ricardo se elegeu vereador pelo PSOL-RJ nas eleições seguintes. Criou uma petição online chamada “Vida Além do Trabalho” (VAT), que defende o fim do regime 6×1 e já acumula mais de 2 milhões de assinaturas.

A proposta ganhou ainda mais relevância em 1º de maio, Dia do Trabalhador, quando a deputada Erika Hilton anunciou seu apoio formal à iniciativa. Erika se juntou a Ricardo na campanha e levou a causa para o cenário político nacional, promovendo a petição “Vida Além do Trabalho”. Sendo uma proposta de valorização da qualidade de vida e do tempo livre dos trabalhadores, o número de adesões só cresce. O movimento acabou por impulsiona um debate sobre a necessidade de uma reforma trabalhista que contemple mais equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

O que é a escala 6×1 e como funciona?

No Brasil, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) prevê que funcionários não podem trabalhar mais de 8 horas por dia ou 44 horas por semana. Em geral, essa jornada de trabalho estabelece seis dias corridos de trabalho, seguidos de um dia de descanso. Essa é a estrutura mais utilizada pelas empresas brasileiras, em setores em que a operação não pode parar, como em serviços essenciais.

No modelo de jornada 6×1, há trabalho de segunda-feira a sábado (seis dias seguidos de trabalho), e o descanso ocorre no domingo (um dia de folga). Essa folga obrigatória, na teoria, garantiria ao colaborador pelo menos um dia livre por semana para repouso, lazer ou compromissos pessoais. Porém, na prática não é suficiente para o descanso do trabalhador, muito menos para que ele resolva suas pendências de ordem pessoal.

Contudo, a escala 6×1 pode variar conforme a necessidade de cada empresa e área de atuação. Por lei, o descanso remunerado semanal, deve ser concedido preferencialmente aos domingos, mas há flexibilizações para setores que operam em regime contínuo.

Isso significa que a folga pode ser alterada conforme programação da empresa, desde que respeite o limite de horas e dias trabalhados conforme as leis trabalhistas. Um exemplo muito comum é dos salões de beleza, que em geral, dão folga às segundas-feiras, quando o estabelecimento fecha.

Carga Horária atual

Em uma jornada regular no Brasil, o funcionário pode trabalhar até 8 horas diárias em seis dias, de segunda a sábado. Contudo, para manter o limite semanal de 44 horas, a jornada diária precisa ser ajustada; uma configuração comum é de 7 horas e 20 minutos por seis dias.

Outra opção frequente no regime 6×1, é distribuir a carga em oito horas diárias de segunda a sexta-feira e quatro horas no sábado, totalizando 44 horas. Essas variações permitem a adaptação das jornadas sem ultrapassar o limite legal, atendendo às exigências do mercado e às necessidades dos trabalhadores.

A nova jornada proposta pela PEC

A proposta da deputada Erika Hilton, busca estabelecer uma jornada semanal de 36 horas, com uma escala 4×3: quatro dias de trabalho seguidos por três de descanso, sem redução salarial. Essa mudança visa uma carga horária mais equilibrada e saudável, alinhada ao desejo de milhões de brasileiros por um modelo de trabalho mais humano e compatível com as demandas da vida pessoal.

Questionado sobre o tema, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, declarou que “o Ministério do Trabalho entende que a questão da escala 6×1 deve ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho.” Ele acrescentou que a pasta considera possível e saudável uma redução da jornada para 40 horas semanais, desde que seja resultado de decisão coletiva.

Essas declarações foram criticadas por defensores do fim da escala 6×1, que enxergam uma falta de apoio efetivo do governo à PEC proposta. A fala do ministro sugere que o governo Lula prefere a negociação coletiva a uma mudança ampla e imediata na legislação. A posição também foi reforçada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, que afirmou em entrevista: “a redução da jornada é um tema global, mas que cabe à sociedade e ao Congresso fazer essa discussão.”

A nova reforma trabalhista e a escala 6×1

A reforma trabalhista promovida pelo governo Michel Temer, em 2017, trouxe profundas mudanças à legislação, redefinindo aspectos das relações de trabalho no Brasil. A intenção era promover maior flexibilização, permitindo que acordos e convenções coletivas prevalecessem em áreas como jornada, intervalos e compensação de horas, oferecendo mais autonomia para negociações diretas entre empregados e empregadores.

Na prática, porém, essas alterações abriram caminho para distorções nas relações trabalhistas. Ao invés de proteger o trabalhador, a flexibilização incentivou o crescimento de contratações informais, especialmente na forma de trabalho temporário e de vínculos precários. Empresas começaram a estimular que colaboradores se formalizassem como pessoa jurídica (PJ) ou Microempreendedor Individual (MEI), de modo a evitar encargos trabalhistas. Criando assim, um cenário onde o trabalhador exerce atividades semelhantes às de um funcionário registrado, mas sem os mesmos direitos e proteções.

Esse processo, conhecido como “pejotização,” vem ganhando força e fragilizando ainda mais as condições de trabalho. Hoje, milhares de trabalhadores atuam sem vínculo empregatício formal, como prestadores de serviços, mas sem segurança no emprego ou garantias de direitos trabalhistas. A consequência é uma crescente precarização, onde trabalhadores são formalmente autônomos, mas continuam subordinados a horários e demandas empresariais, sem acesso a benefícios como férias, 13º salário e FGTS e ainda sem ganhos reais de renda.

Assim como na reforma, o fim da escala 6×1 pode fomentar ainda mais essa pejotização do trabalhador. Para de fato promover a qualidade de vida e proteção para o trabalhador, seria necessário ajustes na legislação para garantir que os empresários não burlem a Constituição, promovendo assim uma efetiva condição de trabalho mais justa.

6X1
Proposta da deputada Erika Hilton sobre o fim da jornada 6×1 movimenta redes sociais (Reprodução/X)

Quem é contra a alteração da jornada?

Essa iniciativa vem encontrando resistência significativa entre parlamentares e entidades empresariais.  Argumentam que a mudança pode gerar impactos econômicos negativos. As críticas destacam o potencial aumento de custos e o risco de desemprego. Esta redução nos dias trabalhados, poderia exigir ajustes complexos nas operações de muitos setores, especialmente aqueles que dependem de alta produtividade diária.

A Confederação Nacional do Comércio (CNC), que representa mais de 4 milhões de empresas, diz que não é possível reduzir a jornada de trabalho sem reduzir o salário dos funcionários. Além do que, incidirá diretamente na inflação e no aumento dos custos operacionais das empresas, que teriam que reduzir o quadro de funcionários e ainda repassar esse custo para o consumidor.

O que a história nos conta

O Brasil já viveu momentos semelhantes. Em 1962, quando o 13º salário foi instituído, os jornais alarmistas previam que o benefício arruinaria a economia. Argumentavam que as empresas não suportariam o novo encargo e, as que não fechassem, acabariam repassando o custo para o consumidor. Mas o que parecia um pesadelo econômico, hoje se transformou em um direito consolidado que estimula o consumo, aquece o comércio e oferece uma folga financeira a milhões de trabalhadores.

Na história mais recente, a PEC das Domésticas marcou a história dos direitos trabalhistas no Brasil, garantindo vitórias como a redução da jornada semanal. Na prática, ainda há muito o que melhorar, porém muitas trabalhadoras já deixaram de trabalhar aos sábados ou reduziram as horas durante a semana entre outros direitos relevantes.

Na época, a medida causou um verdadeiro alvoroço: muitos previam que o desemprego aumentaria e que essas mulheres ficariam sem opção de trabalho.  O que era comum antes da PEC é que, as empregadas domésticas tinham hora para chegar, mas não para sair. Precisavam chegar cedo para preparar o café da manhã dos patrões e só iriam embora após o jantar. Não havia pagamento de horas extras nem adicional noturno. Com a reforma, porém, grande parte do mercado se adaptou, e quem precisa de serviços domésticos faz questão de cumprir todas as obrigações para evitar problemas na justiça trabalhista.

Projeto Piloto 4×3

A proposta da deputada Erika Hilton inclui experiências com a escala 4×3 no Brasil. Um projeto piloto, conduzido pelas entidades Reconnect Happiness at Work em parceria com 4 Day Week Global, Boston College, Henley Business School, Birkbeck University of London, FGV-EAESP e apoio da WeWork e Clementino Teixeira e Associados, reuniu 22 empresas com até 250 colaboradores para testar essa jornada.

Contudo, durante o experimento, houve uma redução significativa no número de faltas e um aumento expressivo na produtividade. Segundo o site do movimento 4 Day Week Global, os dados mostraram que a capacidade de cumprir prazos aumentou 44%, a execução de projetos melhorou em 61% e 82% dos participantes relataram mais energia para realizar tarefas. Em termos financeiros, 72% das empresas observaram crescimento na receita durante o projeto.

No Reino Unido, os resultados foram ainda mais impressionantes: em 2022, um piloto de seis meses envolveu 61 empresas e 2.900 colaboradores. O impacto positivo foi tão marcante que 92% das empresas adotaram permanentemente a escala 4×3 após o término do projeto. Entre os principais benefícios para os trabalhadores, a redução dos sintomas de burnout foi destaque, com uma queda de 71%. As empresas também registraram um aumento médio de 1,4% na receita, comparado ao mesmo período de anos anteriores, e a taxa de turnover caiu 57%.

A média de aumento na receita das empresas foi de 35%. O sucesso foi tão grande que uma segunda edição do projeto está sendo realizada no Reino Unido, com a participação de mais mil trabalhadores, aprofundando os testes e solidificando o modelo 4×3 como uma alternativa viável e produtiva para empresas e colaboradores.

O que significa trabalhar 4×3

A jornada de trabalho 4×3 representa uma resposta às novas demandas da sociedade por qualidade de vida e saúde mental, ao mesmo tempo em que busca preservar a eficiência econômica. Com a PEC de Erika Hilton, o Brasil pode chegar a um ponto de inflexão nas políticas trabalhistas, tentando equilibrar produtividade com bem-estar no ambiente de trabalho.

A escala 6×1, ainda amplamente usada, tem sido criticada por sua carga exaustiva, que reduz a qualidade de vida e compromete a saúde do trabalhador. Esse modelo aumenta o risco de fadiga e lesões físicas, psicológicas e emocionais, gerando altos custos para o sistema de saúde. Enquanto esse formato beneficia grandes empresários focados no lucro, os trabalhadores acabam sofrendo com jornadas desumanas que tratam o empregado como descartável.

O Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em diagnósticos de burnout, ficando atrás apenas do Japão. Essa condição, caracterizada pelo esgotamento físico, mental e emocional, afeta cerca de 30% dos trabalhadores brasileiros, o que equivale a 33 milhões de pessoas – um quadro alarmante de exaustão no país.

Qual o impacto da escala 6×1 na vida das mulheres?

A jornada de trabalho da mulher é exaustiva e desumana

No Brasil, as mulheres compõem 53,3% da força de trabalho, segundo o IBGE, somando cerca de 48 milhões de trabalhadoras. Entre elas, estima-se que 11 milhões sejam mães solo, responsáveis pelo sustento do lar sem o apoio financeiro e emocional de um parceiro.

Essa realidade afeta profundamente a saúde mental das mulheres, especialmente devido à exaustiva dupla jornada. De acordo com a OMS, elas estão entre as mais vulneráveis ao desgaste físico, emocional e psicológico. Elas se dedicam no trabalho, mas, ao chegar em casa, ainda precisam dar conta das tarefas domésticas e da criação dos filhos, muitas vezes sem qualquer suporte. Momentos de lazer com a família, encontros com amigos e até mesmo o tempo necessário para resolver questões práticas tornam-se um luxo.

E a situação complica quando precisam resolver problemas em serviços como cartórios, correios ou agências do INSS, que como todos sabem, não funcionam aos sábados. Conseguir uma folga para essas tarefas exige um jogo de cintura exaustivo: é comum a trabalhadora ter que se humilhar por um dia livre ou acumular horas extras para compensar a ausência. Como sobra disposição para estudar e progredir na carreira? Para muitas, especialmente as que têm filhos, essa opção simplesmente não existe.

O caminhar para uma vida mais digna ainda é longo

O projeto de Emenda à Constituição (PEC) de Erika Hilton, propondo a escala 4×3, com quatro dias de trabalho e três de descanso, representa um movimento em prol de uma rotina mais equilibrada e humana. A proposta tem o potencial de transformar o ambiente de trabalho, oferecendo tempo de qualidade para o convívio familiar, o lazer e a realização de tarefas pessoais, aspectos essenciais para a saúde mental e a produtividade.

No entanto, como sempre que precisa mexer no bolso do empresariado, as entidades empresariais acabam por criar um terrorismo psicológico, com projeções de aumento de custo, desemprego e impacto econômico. Além disso, a perspectiva de pejotização – onde trabalhadores se tornam autônomos para driblar encargos – gera incertezas sobre a real aplicação e os benefícios da proposta.

Por outro lado, não só a história das conquistas trabalhistas do Brasil prova que é possível dar mais dignidade ao trabalhador, como as experiências internacionais, mostram que a incorporação de direitos ao trabalhador pode beneficiar tanto empregadores quanto funcionários. Que pode haver aumento de produtividade e ainda retenção de talentos. Contudo, o desafio está em implementar uma política que garanta os direitos dos trabalhadores sem o famoso “jeitinho brasileiro”, sem opção de burlar o sistema, para que assim todos possam se adaptar.

A discussão, que passa pela reforma trabalhista, coloca em pauta a qualidade de vida e a dignidade dos trabalhadores brasileiros, direito esse garantido no art 1° da CF. Para as milhares de mulheres, especialmente mães solo, a mudança pode significar mais que tempo de descanso, tempo com a família e tempo para cuidar de si mesma: pode representar uma vida onde se vive, e não apenas se sobrevive.

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Elane Lima

Publicitária, produtora de conteúdo, empreendedora

Elane Lima

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